Em agosto de 2025, as edições americana, britânica e francesa da revista Vogue trouxeram um anúncio da marca Guess com uma modelo gerada por inteligência artificial. Impecavelmente “perfeitas”. Nenhuma gota de suor, nenhum fio de cabelo fora do lugar. Dá até saudade de discutir o uso de “Photoshop” em fotografias de alta moda. Agora, a estética algorítmica invadiu o mundo da moda com força e isso diz muito sobre nós.
Não é a primeira vez que vemos algo parecido. Em 2023, a Vogue Itália trouxe Bella Hadid em um cenário criado por IA, e a Levi’s passou a incluir modelos artificiais para ampliar a diversidade de corpos nas campanhas. Mas o caso da Guess acende um alerta ainda mais profundo: estaremos, pouco a pouco, perdendo a tolerância ao humano? À medida que nos acostumamos com corpos gerados por algoritmos, será que ainda sabemos lidar com rugas, poros, cicatrizes ou variações de peso? Estamos nos afastando da realidade ao ponto de estranhá-la?
Segundo um relatório da Dove (2023), 8 em cada 10 meninas entre 10 e 17 anos usam filtros ou edições em suas fotos para parecerem “melhores”. A busca por uma beleza artificial se infiltra cedo e a presença de avatares gerados por IA em capas de revista apenas reforça esse ideal inalcançável. Quando marcas influentes como GUESS optam por substituir modelos reais por inteligências artificiais, enviam uma mensagem poderosa: talvez o ser humano, com sua imperfeição, já seja insuportável.
Mas a questão vai além de estética. Ao optar por IA, marcas também reduzem custos, eliminam variáveis humanas e ganham total controle criativo. Modelos de carne e osso não adoecem, não exigem cachês, não têm opinião. Seria esse o futuro da representação na publicidade? Um futuro sem diversidade real, sem vozes, sem histórias?
Não se trata de demonizar a tecnologia. A IA pode ser uma aliada na moda, no marketing, no design, mas quando o uso da ferramenta começa a apagar pessoas, corpos reais e vivências, o problema deixa de ser técnico e passa a ser ético.
A moda sempre foi um espelho do seu tempo. Que reflexo estamos cultivando agora? É hora de se perguntar se queremos mesmo um mundo com menos rugas ou se precisamos urgentemente de um com mais humanidade.
*Letícia Porfírio é graduada em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda, mestre em Comunicação e Linguagens, doutoranda em Comunicação e Linguagens e professora do CST Marketing Digital da Uninter.
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